Bom Design: Alfa, Bravo, Charlie, e o Alfabeto Fonético

Bom Design: Alfa, Bravo, Charlie, e o Alfabeto Fonético

Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo… esse é o alfabeto fonético da OTAN. Ele tem sido usado por pilotos, controladores de tráfego aéreo, o exército, e outros profissionais ao redor do mundo durante os últimos 66 anos, desde 1956, sem alterações.

O fato do design ter sido adotado internacionalmente, usado no mundo inteiro e durado por décadas indica que há algo de bom nesse alfabeto.

Para deixar claro, o alfabeto fonético da OTAN não foi o primeiro alfabeto assim, mas quando o desenvolvimento terminou e foi estabelecido em 1956, ele foi rapidamente aceito por várias organizações internacionais e continua o padrão até hoje.

O que fez o alfabeto fonético da OTAN tão duradouro que ele sobreviveu a época pré-digital (analógico), e o começo e a expansão da época digital? Por que esse design foi tão universal que ainda é usado por todo o mundo com somente pequenas mudanças em algumas regiões:

Em poucas palavras, ele resolveu um problema muito observado (comunicações distorcidas do rádio). O alfabeto fez isso através de muitas partes interessadas globais. O design foi o resultado de provas sistemáticas e significativas e análise de estatísticas. E o alfabeto foi adotado por uma organização influenciadora e quase global, que apoiou a aceitação internacional.

O problema

Em 1876 Alexander Bell recebeu a primeira patente pelo telefone. Os primeiros telefones comerciais que logo seguiram foram baseados em fios fixos entre dois lugares que queriam se comunicar. Até 1891, a AT&T tinha criado uma rede de linhas telefônicas interconectadas que requeriam operadores de mesas telefônicas e permitiram ligações de alta distância para vários lugares. Como uma tecnologia nova, a qualidade do áudio era cheia de estática e atormentada por desconexões, o que tornava difícil de entender a mensagem falada.

Para melhorar a comunicação entre as conexões de baixa qualidade e linhas de alta distância, alfabetos telefônicos básicos foram desenvolvidas. Esses alfabetos foram usados para soletrar palavras dizendo uma palavra inteira para cada letra do alfabeto. Assim fazendo com que as letras que antes eram difíceis de distinguir quando ditas (como as letras b, t, v) fossem mais óbvias (dizendo palavras como beer, toc, e vic em lugar dessas letras). Como esperado, esse sistema de  alfabeto telefônico significativamente reduziu a má interpretação na comunicação telefônica.

Poucos anos depois, em 1898, operadores do rádio do exército da Inglaterra aplicaram a ideia de um alfabeto telefônico às comunicações por rádio, mas só designaram palavras para letra que podiam ser confusas, como A, B, M, P, V, S.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o problema de má comunicação piorou por causa da combinação de barulho no campo de batalha e a nova tecnologia do rádio. Resumindo, comunicações críticas do rádio às vezes eram impossíveis de entender, porque ficaram confusas e ocultas.

Deste problema surgiram as primeiras versões do alfabeto fonético de radiotelefonia - o alfabeto que eventualmente se tornou o alfabeto fonético da OTAN em 1956.

A necessidade de um padrão global de comunicação

Enquanto a falta de boa comunicação aumentou durante a Primeira Guerra Mundial, significativamente afetando vidas e potencialmente influenciando o resultado da guerra, grandes esforços foram dados para garantir um alfabeto fonético que era efetivo (entendido corretamente) e eficaz (comunicado rapidamente). Mas esses esforços de desenvolvimento não eram centralizados. Por exemplo, até o fim da Primeira Guerra Mundial, o exército e a marinha do Reino Unido tinham dois alfabetos diferentes para facilitar a comunicação entre o próprio ramo militar - mas não com os outros ramos. No fim, além da letra C - Charlie, nenhum desses dois alfabetos sobreviveram.

O problema persistiu quando, durante a Segunda Guerra mundial, as forças aliadas desenvolveram separadamente seus próprios alfabetos fonéticos para melhorar a comunicação internamente, ao mesmo tempo limitando a comunicação difícil de entender que precisava acontecer entre as forças aliadas. O sistema do exército dos Estados Unidos foi chamado Able Baker segundo as duas primeiras letras do alfabeto, enquanto a maior parte do sistema do exército do Reino Unido foi baseado no alfabeto criado pela marinha durante a Primeira Guerra Mundial. Apesar desses esforços individuais, a confusão na comunicação continuou.

O começo do bom design

O alfabeto fonético do exército dos Estados Unidos, Able Baker, foi o resultado de muita pesquisa feita pela força aérea e o Laboratório Psicoacústico da Universidade de Harvard. Esse trabalho era focado em determinar a melhor palavra para representar uma letra; tanto quando sendo interpretado através do rádio e entre o barulho do campo de batalha. Com esse foco, os pesquisadores procederam para provar e comparar vários alfabetos existentes sob essas condições.

Vendo esse problema no contexto de interpretação por meio do rádio, e testando vários alfabetos existentes foram elementos importantes do processo de bom design. Mas essas boas práticas não eram suficientes.

Em 1943, as forças militares dos EUA, Reino Unido e Austrália adotaram uma versão modificada de Able Baker e com sucesso o usou para coordenar esforços durante o resto da guerra. Depois da guerra, por causa de muito uso, o modificado Able Baker virou o alfabeto fonético internacional oficial. Porém, logo após a introdução fora dos países de falantes de inglês, EUA, Reino Unido, e Austrália, ficou claro que muitas das palavras no alfabeto modificado Able Baker tinham sons únicos da língua inglesa. Até as palavras Able e Baker foram trocadas com Ana e Brasil na América Latina.

A falha do alfabeto modificado Able Baker tinha raízes no fato de que um padrão internacional foi criado considerando somente três grupos similares (EUA, Reino Unido e Austrália)

Um esforço organizado

Quase no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1944, uma convenção foi realizada chamada The Chicago Convention on Civil Aviation. Nessa convenção, 55 países concordaram na unificação de regras a respeito de espaço aéreo, segurança, registro de aviões, e mais. Nessa reunião, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) foi estabelecida e logo virou uma parte importante no desenvolvimento do alfabeto fonético da OTAN.

No fim da guerra, e durante o segundo ano de existência da OACI, ela adotou Able Baker e rapidamente observou os desafios globais associados com o favorecimento do idioma inglês. Até o terceiro ano, a organização introduziu um novo rascunho de um alfabeto fonético que tinha sons comuns nos idiomas inglês, francês, espanhol, e português. Até o quarto ano de existência da OACI, reconhecendo a necessidade e tendo experimentado com um alfabeto mais global, a OACI começou a trabalhar mais de perto com o especialista Jean-Paul Vinay, um professor de linguística da Universite de Montreal para desenvolver sistematicamente um alfabeto fonético efetivo e eficaz para o mundo inteiro.

Prof. Jean-Paul Vinay

Agora começamos a ver a prática de bom design se apresentar mais claro. Por exemplo, por natureza, a OACI envolveu muitas partes interessadas, (55 países) que estavam focadas em uma meta clara: o desenvolvimento de um alfabeto útil ao redor do mundo. A OACI trabalhou rapidamente, tomando decisões, experimentando e consultando especialistas nos anos imediatamente depois do estabelecimento da OACI. Essas práticas significativamente influenciaram o sucesso do futuro alfabeto fonético da OTAN.

Requisitos formais de design e experimentação

A pesquisa da OACI em 1948-1949 com o Professor Vinay de linguística foi substancial. A meta era um alfabeto global e os requisitos eram claros. Cada palavra do alfabeto tinha os requisitos de:

  • Ser uma palavra comum em cada um dos três idiomas escolhidos (Inglês, Francês, e Espanhol)

  • Ser fácil de pronunciar e reconhecer por pilotos de todas as línguas.

  • Ter características de boa transmissão e leitura no rádio.

  • Ter ortografia similar pelo menos em Inglês, Francês e Espanhol, com a letra iniciando a palavra sendo a mesma que ela representa.

  • Ser livre de qualquer associação com significados questionáveis.

O que resultou do esforço de dois anos com Professor Vinay foi um alfabeto completo, incluindo 17 das palavras que hoje permanecem no alfabeto fonético da OTAN. Depois de testes significativos, o alfabeto do Vinay ainda mostrou problemas distinguindo entre algumas palavras, como Nectar e Victor. 

Para identificar mais formalmente as deficiências no alfabeto do Professor Vinay, muitas provas foram conduzidas pela força aérea dos EUA, que envolveram falantes de 31 países. Provas eram focadas na articulação das palavras, e na confusibilidade com outras palavras no grupo. Por exemplo, quando testando alternativas da palavra Foxtrot, Football era melhor que Foxtrot na articulação, mas era mais fácil de confundir com Hotel e Victor. Assim, a eficácia (marca máxima de articulação e mínima de confusibilidade) de Foxtrot era maior e seguiu no alfabeto.

Atitudes relativas a cada palavra também foram consideradas. Pessoas multinacionais envolvidas nas provas classificaram cada possível palavra por preconceito em uma escala de 7 pontos. Uma marca de 1 representava alta aceitação, enquanto 7 representava muito nojo da palavra. Depois de um período de seis semanas de uso diário, o preconceito foi testado novamente para observar mudanças de preferência.

Uma grande variedade de provas foram feitas com falantes nativos e não nativos de inglês, com pessoas de educação da faculdade ou com pessoas com educação só do ensino médio, e também com pessoas dentro e fora do exército.

No final, centenas de milhares de provas foram feitas.

Durante o processo de testes, pequenas mudanças do design aconteceram, como a mudança na ortografia da palavra Alpha para Alfa, e Juliet para Juliette para evitar variação de pronúncia com vários idiomas. 

O empurrão final pela OTAN

A urgência de um alfabeto fonético final tinha aumentado até quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi fundada em 1949 (ao mesmo tempo que a OACI e Professor Vinay estavam terminando um alfabeto fonético derivado sistematicamente). Com a OTAN, os exércitos de vários países tinham que trabalhar juntos no “evento de uma guerra total aparentemente iminente contra o Pacto de Varsóvia.” Cedo em 1956 a OTAN adotou o alfabeto refinado da OACI, mas modificou uma palavra (Nectar para November). Desde o momento da adoção da OTAN e a mudança simples da letra N, o alfabeto fonético da OTAN foi adotado rapidamente por muitas agências internacionais incluindo a OACI.

Por mais que o alfabeto fonético adotado pela OTAN fosse primariamente derivado de provas sistemáticas envolvendo centenas de milhares de provas, é claro que uma parte da propagação rápida do alfabeto e a habilidade de durar as décadas foi devido a OTAN empurrando a implementação do padrão.

Adaptação regional, conforme necessário

Por mais que o alfabeto fonético da OTAN seja o padrão, e não tenha mudado oficialmente, adaptações regionais têm sido feitas por várias razões. Delta, India, Lima e Whiskey passaram por adaptações assim.

Em Atlanta, onde fica a sede da Delta Airlines, Delta pode ser substituído com David ou Dixie. No Paquistão, onde há conflitos históricos e contínuos, a palavra é substituída com Italy ou Indigo. Lima significa cinco em malaio, então Lima é substituído com London nos países onde malaio é um idioma oficial. E em países muçlumanos, onde o álcool é mais proibido, Whiskey é substituído com White ou Washington.

Considerações finais e inércia sócio-técnica

Como temos examinado o alfabeto fonético da OTAN, parece injusto o chamar pelo nome da OTAN. Especialmente dado que a grande maioria do desenvolvimento foi feito pela OACI trabalhando com a força aérea dos EUA e vários institutos acadêmicos. Porém, a adoção rápida não aconteceu até que a OTAN tivesse abraçado o alfabeto da OACI com uma mudança pequena (Nectar para November).

Então o que fez o alfabeto fonético da OTAN ser tão bom? Resumindo, o alfabeto resolveu um problema muito observado. Ele o fez sob a organização multinacional da OTAN que envolveu muitas partes interessadas globais. O design foi o resultado de provas sistemáticas significativas e análise estatística. E o alfabeto foi adotado por uma organização influenciadora e quase global (OTAN) que pressionou para a aceitação internacional.

Embora o alfabeto fonético da OTAN tenha passado por provas significativas e a refinação no desenvolvimento, vale a pena considerar o papel de inércia sociotécnica quando se tenta avaliar a longevidade. Como o teclado QWERTY, o alfabeto fonético da OTAN tem sido profundamente enraizado em nossa sociedade, tanto que sistemas novos e melhores são improváveis de substituí-lo.

No entanto, o alfabeto fonético da OTAN funciona, e dado a variedade dos alfabetos que o precederam, podemos concluir que funciona bem. Convergindo a um design aceito globalmente não foi fácil. Exigiu que organizações como a força aérea dos EUA olhassem além de sua própria perspectiva cultural e envolvessem partes interessadas que vivenciam o mundo de uma forma diferente. Exigiu que testes e análises baseados em métricas fossem planejados, executados e interpretados. E o sucesso provavelmente exigiu implementação por uma organização poderosa tão grande como a OTAN para alcançar aceitação rápida e generalizada.

Mattson, Chris. "Good Design: Alfa, Bravo, Charlie, and The Phonetic Alphabet" [Bom Design: Alfa, Bravo, Charlie, e o Alfabeto Fonético]. The BYU Design Review, 11 de agosto de 2022, https://www.designreview.byu.edu/collections/good-design-alfa-bravo-charli-e-o-alfabeto-fonetico. Tradução de Ian Stubbs.

به‌کارگیری بینش مهندسی و آزمایش هدفمند برای حل چالش‌های فنی

به‌کارگیری بینش مهندسی و آزمایش هدفمند برای حل چالش‌های فنی